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Resumo: A teoria da infecção endodôntica focal perdurou por muito tempo, impedindo o progresso científico da Endodontia. Acreditava-se que microrganismos ou toxinas oriundos de infecções orais agiam como foco de infecções, podendo disseminar-se sistemicamente. Essa teoria caiu em descrédito devido à falta de evidências científicas que lhe dessem suporte. Com o desenvolvimento das técnicas de cultivo e isolamento, novas pesquisas foram realizadas. Atualmente, volta-se a questionar a relação entre infecções orais e manifestações sistêmicas, principalmente em relação à endocardite infecciosa. Inúmeros estudos confirmam a presença de bactérias provenientes de canais radiculares infectados, na circulação sanguínea, pela ocorrência da bacteriemia, podendo ser determinante para complicações sistêmicas. O objetivo deste trabalho é revisar criticamente a literatura relacionada às infecções endodônticas como fator de risco à condução de possível manifestação sistêmica. A literatura sugere que a bacteriemia pode estar associada à endotoxinas bacterianas de canais infectados, apresentando riscos para complicações sistêmicas, e que tais riscos podem ser minimizados quando medidas terapêuticas adequadas são aplicadas, como manipulação cuidadosa de canais infectados e antibioticoterapia profilática para pacientes de alto risco.

Introdução

A importância do controle de infecções locais nas áreas de saúde, no que se refere a manifestações sistêmicas, desencadeou inúmeros estudos com o objetivo de melhor esclarecer os mecanismos de patogenicidade e apontar alternativas mais eficazes no controle dos microrganismos. Na Odontologia, esses estudos estão bem evidentes na medicina periodontal, principalmente os relacionados à doença periodontal como agente etiopatogênico de manifestações sistêmicas, muito embora, apesar da Endodontia estar intrinsecamente relacionada à Periodontia, estudos que elucidem com embasamento científico, a forma como a infecção endodôntica pode se manifestar sistemicamente, ainda são muito tímidos.

Propomo-nos, neste trabalho, a revisar a literatura científica pertinente, dando enfoque ao tratamento endodôntico de dentes portadores de necrose pulpar associado à periodontite apical (lesão apical) como fator de risco a manifestações sistêmicas: os riscos que podem ser minimizados com a adoção de medidas terapêuticas adequadas.

Desde o início do século XIX, acredita-se que dentes infectados possam ser os causadores de doenças sistêmicas1. Miller, em seus estudos sobre a microbiota oral, ressaltou a relação entre infecções orais e doenças sistêmicas, dando início, possivelmente, a outros estudos que evidenciavam essa relação2.

Hunter afirmava que dentes infectados eram os responsáveis por muitas doenças à distância, introduzindo o termo sepse oral, alegando que a Odontologia conservadora era sinônimo de Odontologia séptica3. Em 1912, o termo sepse oral foi substituído pela teoria da infecção focal – microrganismos disseminam-se de uma área localizada para outras áreas do corpo –, na qual um dente infectado é o foco da infecção, e que todo dente infectado deveria ser extraído4. Nessa época, a artrite reumatóide foi fortemente relacionada à saúde oral comprometida e o abscesso periapical poderia originar um reumatismo crônico5.

Acreditava-se que a infecção dentária era responsável por manifestações sistêmicas associadas. Assim, a Odontologia conservadora, em especial, a Endodontia permaneceu por muitos anos em descrédito. A teoria da infecção focal foi reafirmada por Rosenow6, que aludiu à necessidade de divulgação dessa teoria pela saúde pública, para que as pessoas pudessem ficar informadas dos perigos que um dente infectado poderia trazer para a saúde geral. A extração de dentes vitais passou a ser recomendada, justificando a prevenção da infecção focal7.

Dos 200 casos de reumatismo pesquisados, 62% estavam relacionados à microbiota oral8. Pesquisas revelaram que o Streptococcus ssp., muito prevalente na cavidade oral, era o agente primário nos casos de reumatismo9,10.

Como conseqüência desses estudos, o tratamento endodôntico quase desapareceu, principalmente nos Estados Unidos, interferindo no desenvolvimento científico da Endodontia11. Cirurgiões-dentistas que realizassem a terapia endodôntica eram considerados criminosos e, assim, sentenciados a seis meses de trabalhos pesados. Nos dias atuais, entende-se que a bactéria oral atua específica e seletivamente sobre diferentes órgãos-alvo, liberando toxinas e produzindo, desta forma, efeitos sistêmicos adversos12.

Discussão

A importância dos microrganismos na determinação das doenças pulpares e periapicais

Estudar a origem, a evolução e os mecanismos de ação das doenças é de extrema importância para o entendimento da associação entre a microbiota oral e as manifestações de ordem sistêmica.

Em 1894, ficou clara a associação entre as bactérias e as patologias pulpares e perirradiculares. Por bacterioscopia do esfregaço, identificaram-se três tipos morfológicos bá­sicos de células bacterianas: cocos, bacilos e espirilos. Foi observado que muitas bactérias não foram cultiváveis pelas técnicas disponíveis na época13.

Em estudo com ratos convencionais e germ-free, foram expostas polpas dentais ao meio bucal. Os animais convencionais desenvolveram inflamação severa ou necrose pulpar, associada a lesões perirradiculares. Nos animais germ-free, este tipo de resposta não ocorreu, confirmando o papel das bactérias na etiopatogenia das doenças pulpares e perirradiculares, em que, na ausência de microrganismos, as polpas se repararam por deposição de dentina neofor­mada na área de exposição, isolando o tecido pulpar da cavidade oral14.

Avaliando 32 dentes com polpas necrosadas e coroas intactas, sem cáries ou restaurações, sem doença periodontal, nem a existência de fístulas, 19 destes apresentavam lesão perirradicular e presença de microrganismos no interior desses canais, confirmando o papel das bactérias na etiopa­togenia das lesões. Além disso, anaeróbios foram detectados neste estudo15.

Depois de indução de necrose pulpar de forma assép­tica em macacos, as polpas necrosadas e não-infectadas permaneceram nesta condição por todo período. Lesões perirradiculares apenas se desenvolveram nos dentes com polpas infectadas. Esses achados confirmam que o tecido pulpar necrosado, mas não infectado, não é capaz de induzir e perpetuar uma lesão perirradicular16.

Em 1992, foram identificadas mais de 100 diferentes espécies no canal radicular17. Pesquisas demonstraram que cerca de 300 espécies microbianas foram isoladas da cavi­dade oral e podem chegar ao sistema de canais radiculares, apesar de 12 espécies terem sido detectadas com maior freqüência nas infecções endodônticas18.

Em amostras de 42 canais, todos apresentaram cultura positiva para anaeróbios facultativos e 35 para estreptoco­cos, concluindo-se que dentes com necrose pulpar e reação periapical crônica apresentam elevado número de micror­ganismos, predominantemente anaeróbios19. Nos casos de apresentarem sintomatologia dolorosa, há uma diferença na microbiota, havendo uma predominância de bactérias dos gê­neros Porphyromonas, Prevotella e Peptostreptococcus20.

A microbiota periapical de 36 dentes com periodontite apical refratária foi investigada. Nenhum tinha respondido a tratamento endodôntico convencional, sendo que 8 tinham recebido antibióticos sistematicamente. Depois da cultura anaeróbia, um total de 148 cepas microbianas foi detectado. Aproximadamente a metade (51,0%) das cepas bacterianas era anaeróbia. Bactérias Gram-positivas compuseram 79,5% das amostras avaliadas. Os microrganismos, tais como Staphylococcus, Enterococcus, Enterobacter, Pseudomonas, Stenotrophomonas, Sphingomonas, Bacillus ou Candida foram detectados em 27 lesões (75%). Actinomyces foi de­tectado em 9 lesões (25%), sendo identificados Actinomyces israelii, A. viscosus, A. naesslundii e A. meyeri21.

Através de uma técnica de reação em cadeia, para avaliar a prevalência de patógenos em 91 canais radiculares infec­tados, constatou-se que todas as amostras foram positivas para a presença de bactérias. Streptococcus anginosus foi detectado em 16,7%; Fusobacterium nucleatum em 14,3%; e Bacteroides forsythus em 7,1% das amostras com abscesso. Em geral, B. forsythus foi encontrado em 20% dos casos; S. anginosus em 12%; F. nucleatum em 10%; e A. israelii em 5%. A. actinomycetemcomitans não foram detectados em nenhum caso. Os fungos estavam presentes somente em 2%22.

A ciência da microbiologia oral está em um período de mudança, passando da era do cultivo bacteriano para a era da genética molecular. A Endodontia ainda se fundamenta nos estudos clássicos de cultivo. Entretanto, alguns grupos começaram a usar métodos moleculares. Microrganismos previamente não identificados e não cultivados estão sendo detectados pelo método molecular. Atualmente, a estimativa de um canal infectado contém entre 10 e 50 espécies bacte­rianas, números que coincidem com os encontrados na placa dental, em diferentes sítios da cavidade oral23.

Anaeróbios, tais como Prevotella spp. e Porphyromonas spp., estão envolvidos na etiologia e na perpetuação de infecções endodônticas. Para avaliar a presença destas espécies em 100 canais com infecções crônicas, este estudo utilizou a cultura bacteriana e a téc­nica de reação em cadeia da polimerase (PCR). A cultura identificou P. intermedia/P. nigrescens (75,8%), P. gingivalis (27,3%), e P. endodontalis (9,1%), e o PCR P. nigrescens (43,3%), P. gingivalis (43,3%), P. intermedia (31,7%) e P. endodontalis (23,3%). O PCR é uma técnica muito sensí­vel para detectar o DNA das células bacterianas. A cultura só é capaz de revelar bactérias vivas, sendo menos sensível para identificação de números baixos de células bacterianas24.

Infecções endodônticas x manifestações sistêmicas

A infecção endodôntica pode causar complicações sis­têmicas de três formas principais: através de um abscesso periapical agudo que dissemina microrganismos e seus produtos; por um procedimento endodôntico, em que os microrganismos são disseminados via sistema circulatório; e através de uma lesão inflamatória periapical crônica, pela liberação de produtos bacterianos e mediadores químicos da inflamação25.

Em 1931, foram realizados os primeiros estudos sobre bacteriemia como resultado de procedimentos médicos e odontológicos. Ficou provado que a bacteriemia pode ocorrer pela mastigação de parafina em cavidades orais infectadas, sem que haja necessariamente a intervenção dental27.

Pesquisadores, após provocarem injúrias em dentes de cães, confeccionando profundas cavidades classe V, injeta­ram bactérias na corrente sanguínea e detectaram a sua presença na polpa dos dentes traumatizados, mas não nas polpas preservadas da injúria e verificaram que a reação inflamatória era diretamente proporcional ao grau da injúria28.

Observando a relação entre pulpotomia e bacteriemia, uma incidência de 4% foi encontrada, apesar dos autores apontarem que esse é o procedimento de menor relação, quando comparado com outros procedimentos odontoló­gicos, pois não está definido que a bacteriemia pode ser induzida após pulpotomia29. Alguns autores confirmaram por meio de amostra em 30 pacientes, que a bacteriemia não ocorre caso não haja sobre instrumentação durante tra­tamento endodôntico30. Somente um caso de bacteriemia foi detectado entre os 30 pacientes pesquisados após tratamento endodôntico, com incidência de 3,3%; incidência de 33,3% após curetagem periapical foi aferida; e 100% após extração dental. A bacteriemia pode ocorrer todos os dias durante a higiene oral, mastigação, bem como durante tratamento odontológico32,33.

A endocardite infecciosa ocorre em indivíduos porta­dores de estruturas cardíacas com defeitos congênitos ou adquiridos. Os sintomas da endocardite, na maioria das vezes, iniciam-se duas semanas após a instalação da bacteriemia34.

A bacteriemia é tida como fator de risco para o desen­volvimento da endocardite, que é caracterizada como uma infecção bacteriana das válvulas cardíacas e do revestimento epitelial do endocárdio. Para reafirmar que outros micror­ganismos, além de bactérias, possam causar a endocardite, o termo endocardite infecciosa foi proposto35.

A endocardite infecciosa fatal foi relatada após proce­dimento odontológico36. A bacteriemia de origem dental tem um forte vínculo com as doenças sistêmicas, e uma das mais sérias manifestações oriundas de um foco dental é a endocardite infecciosa37.

Com o objetivo de determinar se microrganismos ino­culados em canais radiculares poderiam atingir dentes não infectados, alguns canais foram inoculados com espécies bacterianas (Staphylococcus aureus, Streptococcus sanguis, Pseudomonas aeruginosa, Bacteroides fragilis). Decorrido o período de 28 a 120 dias, os microrganismos foram de­tectados na maioria dos canais que não foram inoculados. Com isso, foi proposto um mecanismo de transporte para justificar que as bactérias do canal infectado ganhariam a corrente sanguínea, passariam pelo coração e então se locali­zariam no canal radicular não inoculado, demonstrando que um transporte dos microrganismos pelo sangue (anacorese) poderia ocorrer38.

Estudos relatam que o número real de microrganismos introduzidos na circulação sanguínea depende do tamanho do forame apical, do grau de infecção e da técnica de trata­mento endodôntico39. Em uma revisão de 4281 casos publi­cados de endocardite infecciosa, 637 estavam relacionados a procedimentos odontológicos40.

É recomendado que a profilaxia antibiótica seja realizada antes de procedimentos odontológicos que possam causar bacteriemia, devido às altas morbidade e mortalidade rela­tadas sobre endocardite infecciosa41.

As bactérias de infecções orais podem utilizar duas vias para induzirem manifestações sistêmicas. A primeira seria quando a disseminação ocorre por uma bacteriemia transitória, causada por procedimentos dentários em regi­ões infectadas. Esta bacteriemia não excede mais de uma hora e os microrganismos são rapidamente destruídos pelas defesas do hospedeiro, a não ser que o paciente apresente fatores predisponentes. Nesse caso, uma infecção focal pode se instalar. A segunda via seria pela disseminação de complexos imunes ou por meio de antígenos solúveis, que se combinam a anticorpos circulantes, podendo se deposi­tar em outras regiões do organismo, induzindo reações de hipersensibilidade imunológica. Entretanto, os complexos imunes formados em lesões perirradiculares crônicas ficam confinados, não sendo distribuídos sistematicamente. Por outro lado, em casos de abscesso agudo, os níveis circulan­tes de complexos imunes são superiores, podendo causar reações imunológicas sistêmicas42.

A septicemia pode ser uma possível complicação após o tratamento endodôntico. Está bem claro na literatura que a manipulação dos tecidos orais pode ser associada com uma bacteriemia transitória44.

A infecção do sistema de canais radiculares deve ser combatida de forma eficaz, evitando-se assim exacerbações de lesões perirradiculares crônicas, o que poderia gerar com­plicações como celulite, osteomielite, septicemia, angina de Ludwig, trombose do seio cavernoso, meningite e abscessos intracranianos. Deve-se ter em mente, contudo, que todas essas alterações sistêmicas, geralmente, apenas se desenvol­vem em pacientes com saúde comprometida45.

Foram identificadas bactérias isoladas da corrente sanguínea em: 100% dos casos após a extração dentária; 55% após cirurgia de terceiros molares; 70% após ras­pagem e polimento; 55% após tonsilectomia bilateral; e 20% após tratamento endodôntico. Anaeróbios foram os microrganismos mais isolados. Os relatos da incidência de bacteriemia durante intervenção odontológica atingem de 17 a 94%. Esses resultados dependem do tipo de paciente, do procedimento realizado e do tipo de técnica microbio­lógica utilizada46.

A bacteriemia pode ocorrer após a instrumentação do canal radicular e a bactéria mais encontrada é anaeróbia47. Abscessos cerebrais podem ocorrer após bacteriemia transi­tória por microrganismos oriundos de infecções orais48.

A ocorrência de bacteriemia durante e 10 minutos após a instrumentação de canais radiculares associados a lesões perirradiculares crônicas e assintomáticas foi avaliada. Quando a instrumentação foi realizada 2 mm além do fo­rame apical, bactérias foram isoladas do sangue em 7 de 13 pacientes (42%). As espécies encontradas foram: P. acnes, Peptostreptococcus prevotii, F. nucleatum, P. intermedia e Saccharomyces cerevisiae. E quando a instrumentação foi realizada 1 mm aquém do forame, bacteriemias foram obser­vadas em 4 de 13 pacientes. As espécies isoladas no sangue foram: P. intermedia, A. israelii, Streptococcus intermedius e Streptococcus sanguis. Observou-se ainda que, embora bac­térias anaeróbias Gram-negativas fossem as mais encontradas em canais radiculares, as anaeróbias Gram-positivas foram as que predominaram em amostras de sangue49.

Infecções crônicas subclínicas, indicadas por valores aumentados do limite normal da proteína C-reativa e outras proteínas da fase aguda, podem provocar manifestações sistêmicas, como aterosclerose, doença cardiovascular, doença cerebrovascular, nascimento prematuro ou baixo peso ao nascimento50.

Em uma revisão de 53 casos de endocardite infecciosa após procedimento odontológico, 7 foram atribuídos a tratamento endodôntico prévio. Em todos os casos, existia uma clara evidência entre uma instrumentação além do forame apical51.

Embora a ocorrência de envolvimentos sistêmicos graves seja rara, um potencial existe, especialmente em pacientes comprometidos. Nesses casos, é necessária a intervenção sob cobertura antibiótica52.

Um estudo identificou que a bactéria encontrada no san­gue provinha de canais tratados, pois, para cada paciente com cultura positiva, existia homologia de fenótipo e genótipo entre a bactéria isolada do canal radicular e a do sangue53.

Demonstrações do DNA de Actinobacillus actinomycetemcomitans, Porphyromonas gingivalis e Prevotella intermedia em ateromas indicam o papel dessas bactérias orais na aterosclerose, que, embora sejam patóge­nos periodontais, estão fortemente envolvidas em infecções endodônticas54.

Casos de endocardite infecciosa e subseqüentes mortes como resultado de tratamento dental ou negligência oral são pouco relatados na literatura55. Quando os antibióticos ainda não eram realidade, a mortalidade por endocardite bacteriana era de 100%, o que pode acontecer ainda hoje, se o trata­mento não for feito adequadamente. A taxa de mortalidade caiu para menos de 10% para a endocardite estreptocócica e para 30% para a endocardite estafilocócica56.

Diferentes bactérias orais e outras espécies que são encontradas na endocardite infecciosa foram isoladas a partir de infecções do canal radicular e lesões periapicais57. Um período de incubação maior que duas semanas entre o procedimento invasivo e o início dos sintomas diminui significativamente a probabilidade de que o procedimento seja a principal causa ou a causa imediata. Cerca de 40% dos casos de endocardite infecciosa têm início na cavidade bucal59.

Em um recente estudo, 30 pacientes foram submetidos a tratamento endodôntico não cirúrgico, sendo detectada bacteriemia em 30% dos pacientes. Em 23,3% dos pacientes, a mesma espécie de microrganismos foi identificada tanto na corrente sanguínea quanto nas amostras de cones de papéis absorventes inseridos no canal radicular60.

A British Society for Antimicrobial Chemotherapy recomenda a profilaxia antibiótica previamente a qualquer procedimento envolvendo a manipulação periodontal ou endodôntica61. De acordo com a American Heart Association (AHA), após procedimentos odontológicos que envolvam manipulação do tecido gengival, região periapical ou per­furações da mucosa oral, a profilaxia antibiótica deve ser recomendada apenas em casos de pacientes com proble­mas cardíacos associados, incluindo pacientes com valva cardíaca, com história prévia de endocardite e com doença cardíaca congênita. A profilaxia antibiótica recomendada para procedimentos odontológicos de acordo com a AHA está presente na Tabela 1.

Um tratamento inadequado ou negligência quan­to a infecções odontogênicas pode apresentar sérias conseqüências. Fasciite necrosante na região submandibular, em conseqüência do tratamento endodôntico inadequado em molar, já foi relatada63.

Embora a doença cardiovascular seja uma doença multi­fatorial, há fortes evidências de que a infecção e a inflamação são fatores de risco importantes. Devido à cavidade oral ser uma fonte de infecção, é sábio tentar assegurar-se de que toda a doença oral esteja minimizada. Isto pode contribuir de forma significativa à saúde cardiovascular e permite que cirurgiões-dentistas possam contribuir para a saúde geral de seus pacientes64.

Evidências científicas indicam que o fracasso da terapia endodôntica está usualmente associado a fatores de ordem microbiana. A microbiota relacionada a tais casos difere significantemente daquela de dentes não-tratados, ou seja, da infecção primária do canal. Enquanto esta última é tipicamente uma infecção mista, com predominância de anaeróbios estritos Gram-negativos, a microbiota associada a fracassos pode ser caracterizada como monoinfecções, compostas principalmente por Gram-positivos facultativos65. Muitos estudos evidenciam a maior resistência desse tipo microbiano às técnicas e subs­tâncias utilizadas durante as diferentes fases que contemplam a desinfecção do sistema de canais radiculares. Dessa forma, poderá haver maior risco de complicações sistêmicas, quando se manipulam endodonticamente casos refratários com persis­tência de lesão periapical. Assim sendo, o profissional clínico deve redobrar os cuidados mediante o tratamento de insucessos a fim de prevenir casos de manifestações sistêmicas.

A literatura vem relatando, desde os primeiros estudos sobre microbiota oral, a forte relação entre infecções orais e manifestações sistêmicas. A teoria da infecção focal, de certa forma, nunca deixou de existir, apenas tomou novos conceitos em virtude da evolução das técnicas de cultivo e isolamento. Ao contrário do que essa teoria propunha hoje, a Odontologia preventiva e tratamentos assépticos, incluindo o tratamento endodôntico, devem ser realizados para descartar a probabilidade de que uma manifestação sistêmica ocorra em virtude de uma infecção oral.

Conclusão

O endodontista deve estar ciente do seu papel na inter­disciplinaridade profissional, tendo muitas vezes que atuar como agente principal na promoção de saúde, estando sempre atento para medidas terapêuticas adequadas, incluindo a profilaxia antibiótica em pacientes considerados de alto risco a complicações sistêmicas, quando da abordagem de dentes portadores de infecção endodôntica.

Tabela 1. Profilaxia antibiótica recomendada para procedimentos odontológicos62 (AHA, 2007)

Tabela 1. Profilaxia antibiótica recomendada para procedimentos odontológicos (AHA, 2007)



Autores:

Juliana Melo da Silva (Mestranda em Odontologia pela Universidade Federal do Pará – UFPA);

Marilia Fagury Videira Marceliano (Mestranda em Odontologia pela Universidade Federal do Pará – UFPA);

Patrícia de Almeida Rodrigues Silva e Souza (Professora de Graduação e Pós-graduação em Endodontia – Centro Universitário do Pará – Belém – PA);

Suely Maria Santos Lamarão (Professora Adjunto IV – UFPA – Belém – PA).




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