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Sistematização da assistência de enfermagem:...

Juramento de enfermagem

De modo geral, o conceito de epidemiologia se modifica conforme o tempo, acompanhando a evolução de diversas áreas de saberes, tendo o seu primeiro registro na Grécia antiga. Os gregos cultuavam vários deuses, dentre estes, Asclépios (Esculápio) o deus da medicina. Ele tinha duas filhas, Panacéia que representava a medicina individual e curativa e Higéia que representava a medicina coletiva e preventivista.  Haviam vários templos de culto a Asclépios, dentre estes há destaque para o Epidauro (420 a.c.), onde Hipócrates (460-377 a.c.) foi um sacerdote. Considerado o pai da epidemiologia, Hipócrates ensinava e praticava a tradição Higéica, valorizando as ações preventivistas de cunho coletivo com o propósito da obtenção do equilíbrio entre os elementos fundamentais: fogo, terra, água e ar. Ele foi o pioneiro em relacionar os males que acometiam os humanos e o meio ambiente, conceito abordado no livro Ares, águas e lugares. Com a sua morte, seus discípulos restabeleceram a hegemonia da tradição panacéica valorizando mais as ações individuais. Galeno (201-130 a.c.), seguidor dos ensinamentos de Hipócrates levo-os para o acidente, mais precisamente para a Roma antiga. A qual deixou como legado para a epidemiologia a realização de censos periódicos e o registro compulsório de nascimentos e óbitos. Na idade média, a saúde basicamente era tratada como um caráter mágico-religioso devido a supremacia da religião católica no período, onde os cuidados eram realizados por ordens religiosas. No entanto, no território árabe, houveram avanços tecnológicos e uma visão coletiva da medicina com o seu auge no século X. Os quais se destacam deste período Avicena (989-1037), autor do livro Cânon da medicina e Averróes (1126-1198), um dos precursores do higienismo.

Avançando no tempo, as bases históricas para a formação da epidemiologia moderna são basicamente três eixos: a clínica, a estatística e a medicina social.

A clínica desenvolve-se nos séculos XVIII e XIX, através dos saberes do diagnóstico, prognóstico e terapêutica individual os quais poderiam ser extrapolados ao nível de abrangência do coletivo por meio da medicina das epidemias. Baseava-se na observação cuidadosa dos sinais e sintomas dos pacientes internados.  Tiveram destaque: Thomas sydenham (1624-1689), que desenvolveu a teoria da constituição epidêmica e elaborou o conceito de “história natural das enfermidades” retomada apenas em meados do século XX; Pierre Louis (1787-1872), o qual realizou um estudo clínico e patológico sobre a tuberculose e febre tifoide entre 1820 e 1830 utilizando de forma pioneira a análise estatística (para alguns inaugura a epidemiologia moderna).

A estatística surgiu no século XVIII como uma ferramenta de “medida do estado moderno” (termo criado por Hermann Conring [1606-1681]) pela quantificação dos cidadãos, exércitos e riquezas. Assim, houve a possibilidade da medida das doenças e de seus efeitos. Neste contexto surgiu o termo Aritmética Política de William Petty (1623-1697), os levantamentos demográficos por sexo e região de estatísticas vitais de John Graunt (1620-1674), a formula para estimar o ganho de anos de vida pela vacinação contra a varíola por Daniel Bernouilli (1700-1782), os cálculos de probabilidade de mortalidade e outras questões da saúde por Pierre Laplace (1749-1827) e o registro anual de mortalidade e morbidade para a Inglaterra (1839) marcando a institucionalização dos sistemas de informação em saúde por William Farr (1807-1883).

A medicina social com foco na saúde como uma questão fundamentalmente política tem início no final do século XVIII por meio de diferentes correntes de intervenção na Europa, contudo o termo foi somente utilizado em 1838 por Guérrin. Na França surge em consequência a revolução de 1789 a medicina urbana, que tem seu foco em sanear os espaços das cidades e o isolamento de regiões consideradas miasmáticas. Na Alemanha, foram implantadas medidas compulsórias de controle e vigilância das enfermidades, sob tutela do estado, denominada de medicina de estado baseada na teoria do contagio. Na Inglaterra, em meio a revolução industrial e o deterioramento da classe trabalhadora imergiu a medicina da força trabalhadora, que se baseia na teoria social onde a doença seria o resultado da relação entre o homem e o processo de trabalho. Em meio a produção intelectual embasada pelo enfoque da medicina social se sobressaem Friendrich Engels que em 1844 Influenciado pelos registros criados por Willliam Farr desenvolveu o documento “ as condições da classe trabalhadora na Inglaterra”, Louis Villemé (1782-1863) com uma pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores das indústrias de algodão, lã e seda (primeiro estudo sobre a etiologia social das doenças) e John Snow (1813-1853) que investigou as possíveis causas de uma epidemia de cólera em Londres, buscando através de uma cuidadosa pesquisa de campo a qual acabou revelando o caráter de transmissão da doença por meio da água que era consumida.

Enquanto termo a epidemiologia foi primeiramente utilizada no século XVI na Espanha em um título de um trabalho sobre a peste sendo somente recuperado anos mais tarde em 1802 por Juan Villalba na obra Epidemiologia espanhola, que descrevia todas as epidemias conhecidas até o momento.

Nas décadas seguintes, principalmente devido as contribuições de Claude Bernard, Rudolf Virchow, Louis Pasteur e Robert Koch nas áreas de fisiologia, patologia e bacteriologia. Sendo importante observar que o perfil de doenças predominantes na população até o momento era o das doenças infectocontagiosas, e com esses avanços foi dado um foco maior para as práticas individuais e curativas em detrimento das abordagens sociais.  Neste contexto foram criados por volta de 1890 o Instituto Pasteur, em Paris e a Escola de Medicina Tropical em Londres. Ao passo que nos E.U.A, poucos anos antes foi criado a Associação Americana de Saúde Pública (1872).

No fim do século XIX a medicina científica consolida-se como hegemonia, tendo como marco a publicação do relatório Educação médica nos Estados Unidos e Canadá, por Abraham Flexner (1866-1959), que reforçou a dicotomia entre o individual e o coletivo dando ênfase a doenças infecciosas. Em 1918, foi inaugurada a Escola de Higiene e Saúde Pública John Hopkins, em Baltimore-EUA, que serviu como modelo para o programa “escolas de saúde pública” difundido pelo mundo.

Contudo, a crise econômica de 1929 precipitou uma intensa crise no modelo cientifico nos anos seguintes, onde havia grande especialização do serviço e alto custos na assistência. Com isso, houve o resgate do aspecto social das doenças através da epidemiologia, que mesmo muitas vezes entendida puramente como a patologia a nível da sociedade através do olhar do modelo biológico, nunca estive separada da abordagem também através do enfoque social. Contudo, a primeira publicação com abordagem sistemática da epidemiologia foi o livro, Princípios da epidemiologia do final dos anos 20, que tratava exclusivamente de doenças infecciosas. Foi apenas em 1936, que John Ryle (1889-1950) sugeriu sistematizar o paradigma da História Natural das Doenças, que serviu como base para a medicina preventiva, modelo este desenvolvido nos E.U.A. como “reforma” para o sistema vigente de ensino em saúde instituindo a incorporação da prevenção na formação dos profissionais e criação dos departamentos nas escolas de medicina.

A partir da segunda metade do século XX, desenvolveu-se o conceito de risco e foram aprimoras as técnicas estatísticas. Dois estudos são marcos dos avanços da epidemiologia moderna na década de 50 e 60, período de início de maior foco a doenças não transmissíveis: o trabalho de Richard Doll, Bradford Hill et al. (1964) sobre a relação entre o tabagismo e o câncer de pulmão; e a coorte de Framingham que investigou os fatores de risco para doenças coronarianas nos E.U.A

Nas décadas seguintes de 70 e 80 a epidemiologia teve como tendências: o aprofundamento das bases matemáticas; a consolidação da proposta de uma “epidemiologia clínica” (que em muitos casos nega a aspecto social); e a emergência da década de 80 de abordagens mais críticas como resposta a “biologização” com raízes econômicas e políticas do processo saúde doença.

Atualmente, a epidemiologia apresenta tendências dissonantes como a epidemiologia molecular e a etnoepidemiologia e novas abordagens metodológicas para os estudos ecológicos. Alguns autores afirmam que a disciplina apresenta o esgotamento dos modelos que demarcavam o campo científico, havendo a necessidade de novos paradigmas e seus processos históricos sociais.

Retomando a proposta de definição conceitual da epidemiologia proposta no início do texto, levando em consideração a sua temática dinâmica e seu objeto complexo, têm-se um disciplina ampla que engloba doenças infectocontagiosas assim como doenças crônicas e demais agravos à saúde, e não somente sendo compreendida como o estudo das epidemias como empregavam. Atualmente a epidemiologia pode ser descrita como: “ ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle ou erradicação de doenças fornecendo indicadores que sirvam de suporte ou planejamento, à administração e à avaliação das ações de saúde ” (ROUQUAYROL, 2013).

Dentre os principais usos da epidemiologia elencam-se: o diagnóstico da situação de saúde, investigação etiológica, determinação de risco, aprimoramento na descrição do quadro clínico, determinação de prognósticos, identificação de síndromes e classificação de doenças, planejamento e organização de serviços, verificação de procedimentos diagnósticos, e análise crítica de trabalhos científicos.

Portanto fica clara a forte ligação entre a epidemiologia e a saúde pública, se confundindo muitas vezes as ações de ambas, e sendo também fundamental ao campo da saúde coletiva.

Referências Bibliográficas:

BONITA, R.; BEAGLEHOLE, R.; KJELLSTRÖM, T. Epidemiologia básica. 2º edição. 2006.

MALETTA, C. H. M. Epidemiologia e saúde pública. 3º edição. Belo Horizonte. Coopmed. 2014.

MEDRONHO, R. A. Epidemiologia. 2º edição. São Paulo, Rio de janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte. Atheneu. 2009.

PEREIRA, M. Aspectos Gerais. Epidemiologia: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995.

ROUQUAYROL, M. Z.; SILVA, M. G. C. Epidemiologia & saúde. Rio de Janeiro. 7º edição. Medbook. 2013.

Autora: Alessandra Maria Monteiro e Silva



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