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Medidas éticas no controle da...

Glossário HumanizaSUS

A leishmaniose é uma doença transmitida por protozoários do gênero Leishmania. As principais formas da enfermidade são a Leishmaniose Visceral (conhecida como Calazar), que afeta órgãos internos, e a Leishmaniose Tegumentar Americana (cutânea/mucocutânea), que afeta pele e mucosas. Podem ser vitimados pela doença, além da espécie humana, diversos mamíferos silvestres (como a preguiça, o gambá, roedores e canídeos) e domésticos (cão, gato, cavalo, entre outros).

A transmissão se dá apenas por meio do inseto vetor, que transmite o protozoário de um indivíduo doente para outro sadio através da picada. Esses insetos possuem hábitos vespertinos e noturnos, atacando humanos e animais principalmente ao amanhecer e no início da noite.

O Programa Nacional de Vigilância e Controle das Leishmanioses, do Ministério da Saúde (MS), no que se refere às medidas de combate à doença, recomenda o controle do reservatório canino, ou seja, recolher e realizar a eutanásia de todos os cães com leishmaniose (cães em situação de rua, domiciliados ou semi-domiciliados), mesmo os que não apresentem sinais clínicos. Há muita controvérsia em relação a essa recomendação do MS, mas esse é um tema bastante complexo e necessitaria de mais considerações técnicas para uma melhor compreensão, o que não é exatamente o foco deste artigo.

A prática da eutanásia nos cães positivos não apenas se configura como uma prática cruel para com os animais (que também são vítimas, assim como os humanos) como também não existe comprovação de sua eficácia, não sendo considerada a melhor forma de controle. Portanto, sua recomendação é atrasada, ineficiente e desnecessária. Inclusive, o Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda realizam tal prática, em detrimento do foco no controle dos mosquitos. No tocante à Leishmaniose Cutânea, por exemplo, a OPAS/OMS (Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial da Saúde) não recomenda a eutanásia de cães como medida de saúde pública, pois considera que os cães (e os cavalos) em geral são hospedeiros acidentais e não possuem importância epidemiológica na cadeia de transmissão. A OPAS sugere que o foco seja na redução do contato do humano com o mosquito, através de medidas preventivas individuais (como o uso de repelentes e mosquiteiros) e o manejo ambiental, visando à redução da proliferação do inseto vetor nas regiões próximas ao domicílio (peridomicílio).

Existem vacinas contra a leishmaniose visceral canina licenciadas no Brasil e na Europa, mas embora o cão doméstico seja considerado o reservatório epidemiologicamente mais importante para a leishmaniose visceral, o MS não adota a vacinação canina como medida de controle da leishmaniose visceral humana. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a vacina como método preventivo, além do uso de coleira contendo inseticida (deltametrina 4%).

Meio ambiente e prevenção

O conhecimento de que as transformações ambientais favorecem o crescimento das leishmanioses obriga a sociedade a repensar a forma de combate à doença, intensificando as medidas preventivas relacionadas ao meio ambiente e não apenas focando na eutanásia de animais domésticos (cães) afetados, como muitos equivocadamente acreditam ser a forma mais efetiva de controle.

A conjunção socioambiental de uma determinada região (as condições ecológicas inadequadas somadas à falta de cuidados das pessoas) favorece a manutenção dos mosquitos/vetores e consequentemente o aparecimento da doença.

O número emergente de casos de leishmaniose está relacionado, dentre outros fatores, ao de florestamento e o desenvolvimento da agricultura em determinadas regiões, possibilitando a endemicidade da doença e notificação de diversos surtos pontuais. As transformações desenvolvimentistas dos territórios aumentam a incidência das formas cutânea e visceral da Leishmaniose, especialmente nas áreas de abertura de estrada e nas residências humanas implantadas ao longo destes empreendimentos, possibilitando a adaptação de hospedeiros e vetores ao peridomicílio.

A supressão vegetal, a destruição de habitats e ainda a introdução e translocação de espécies exóticas invasoras trazem impactos significativos para a saúde animal e humana. Portanto, a preocupação com o desenvolvimento sustentável e a conservação da biodiversidade é fundamental para o controle de muitas doenças.

No combate às leishmanioses são recomendadas ações dirigidas à população e principalmente ao vetor. A comunidade deve realizar medidas preventivas de higiene e conservação ambiental que evitem a proliferação do inseto e também a redução do contato homem-vetor, tais como:

1. Medidas de proteção individual (para humanos e cães): uso de mosquiteiros e telagem (malha fina) de portas e janelas, além dos canis; uso de repelentes e evitar a exposição nos horários de atividades do vetor (crepúsculo e noite) em ambientes onde este habitualmente possa ser encontrado.

2. Manejo ambiental: limpeza de quintais, terrenos e praças e eliminação de fontes de umidade (a fim de alterar as condições do meio que propiciem o estabelecimento de criadouros para as formas imaturas do vetor, pois a fêmea do mosquito põe seus ovos no solo úmido e com alto teor de matéria orgânica).

3. Eliminação e destino adequado de resíduos sólidos orgânicos.

O emprego de medidas simples de higiene e conservação ambiental que evitem a proliferação do inseto vetor é o principal meio de combate à leishmaniose, requerendo o envolvimento efetivo de toda a sociedade, objetivando o controle de uma doença grave em todas as suas formas, evitando assim o sofrimento de pessoas e animais.

Um dos maiores benefícios da conservação da biodiversidade é o controle de doenças. A conscientização da comunidade aliada à implementação de políticas públicas efetivas e atualizadas são a chave no combate às zoonoses e, consequentemente, na manutenção da saúde das populações.

Referências:

Desjeux, P. The increase in risk factors for leishmaniasis worldwide. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, 95(3): 239-243, 2001.

Patz JA, Graczyk TK, Geller N, Vittor AY. Effects of environmental change on emerging parasitic diseases. Int J Parasitol. 30:1395–1405, 2000.

Ministério da Saúde, Guia de Vigilância Epidemiológica – BVS Ministério da Saúde, 10ª edição. www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes, 2009.

Autora: Adriana Lucia Souto de Miranda – Médica Veterinária – CRMV-PE 3057



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